A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, reafirmou ontem o compromisso da estatal com a conclusão da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN3), em Três Lagoas, paralisada há mais de uma década. O anúncio, feito durante evento público, reacende expectativas em torno de uma das promessas mais repetidas e menos cumpridas da história recente da empresa e do governo federal em Mato Grosso do Sul.
“Nos comprometemos com as fábricas de fertilizantes. A Ansa, no Paraná, está voltando a operar, as Fafens [Fábricas de Fertilizantes Nitrogenados] Bahia e Sergipe já estão contratadas, terão manutenção a partir de agora e serão dispendidos R$ 38 milhões em cada uma para manutenção, e vão voltar a funcionar em janeiro do ano que vem”, afirmou a executiva, ao detalhar o plano de retomada do setor de fertilizantes da Petrobras.
Magda acrescentou que com as três fábricas funcionando, de Paraná, Bahia e Sergipe, a estatal terá a capacidade de fornecer 20% dos fertilizantes nitrogenados do Brasil.
“Ainda falta uma, a UFN3, a fábrica de fertilizantes do Centro-Oeste, que já está sendo contratada. Ela vai ficar pronta e, quando estiver pronta, vamos ser capazes de entregar 35% de todo o fertilizante nitrogenado que o País necessita”.
Desde que as obras foram paralisadas em 2014, após 80% de avanço físico, a fábrica foi alvo de seguidas promessas de reativação, sem que nenhuma delas se concretizasse.
A UFN3 foi lançada em 2008, com o objetivo de reduzir a dependência externa de fertilizantes e fortalecer o agronegócio nacional. Orçada inicialmente em R$ 3 bilhões, a obra foi interrompida em 2014, durante o governo de Dilma Rousseff, após a Petrobras romper contrato com a construtora Galvão Engenharia, envolvida na Operação Lava Jato.
Desde então, o canteiro de obras em Três Lagoas se tornou símbolo do desperdício de dinheiro público e da descontinuidade de políticas industriais no País. Com estrutura metálica exposta, galpões enferrujados e equipamentos de alto valor parados, a planta se degradou sob o sol do Cerrado enquanto sucessivas gestões da estatal anunciaram intenções de “retomar” o projeto.
O Correio do Estado vem acompanhando a situação há anos e, em reportagem publicada em agosto, mostrou que a UFN3 teve novamente seu cronograma “empurrado”, com a previsão de funcionamento adiada para o fim da década. À época, a Petrobras informou que realizava “estudos técnicos” e “tratativas contratuais”, sem definir prazos concretos para a retomada das obras.
Apesar disso, Magda Chambriard reforçou no evento o papel estratégico da Petrobras como agente de desenvolvimento. “Com as políticas públicas emanadas do governo federal e com os nossos acionistas, sejam eles governamentais ou privados, nós estamos cientes, e o presidente Lula, do papel estratégico da Petrobras.
Não vamos esquecer de que se trata de uma empresa estatal, e nós estamos muito orgulhosos de poder proporcionar cada vez mais desenvolvimento para o nosso País”, declarou.
PROMESSAS
As promessas de conclusão da UFN3 passaram por diferentes governos e gestões da Petrobras. Durante a administração de Michel Temer, em 2018, a estatal tentou vender a fábrica para o grupo russo Acron, negócio que não avançou. Na gestão de Jair Bolsonaro, o ativo chegou a ser incluído em pacotes de privatização, novamente sem êxito.
Com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, em 2023, o discurso mudou. A Petrobras retomou a narrativa de “reviver” o setor de fertilizantes, classificado como estratégico para a soberania nacional. Ainda assim, o cronograma continua se arrastando, e a própria companhia admite que o projeto de Três Lagoas é o mais complexo do portfólio, exigindo revisão de contratos, atualização tecnológica e novos estudos de viabilidade.
Enquanto isso, os impactos locais são visíveis. A promessa de geração de milhares de empregos diretos e indiretos, que motivou o investimento público em infraestrutura na região, deu lugar ao abandono e à frustração da população de Três Lagoas.
Em junho, o Correio do Estado já havia antecipado que a operação da UFN3 não ocorreria antes de 2028, contrariando a expectativa inicial de que a planta poderia estar em funcionamento já a partir de 2026. O que se confirmou no mês passado, com declarações do titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, que detalhou a nova estratégia da Petrobras para a retomada.
“Eles terminaram toda a avaliação, eles dividiram a UFN3 em sete blocos de construção, exatamente para ser rápido. Então, até o dia 30 de novembro, as empresas têm que mandar a cotação”, explicou Verruck ao Correio do Estado, após ter se reunido com a presidente da estatal.
O novo cronograma já havia sido admitido pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, ao Correio do Estado. “O prazo para apresentar as propostas foi estendido até agosto. Quando um prazo muda, arrasta todos os outros”.
Ainda de acordo com o titular da Semadesc, a ideia é que cada bloco, desde sistemas elétricos e tubulações até áreas estruturais, seja orçado separadamente, permitindo que diferentes empresas assumam partes específicas da obra.
“Pegaram a UFN3, bloco 1, por exemplo, aí eu vou dar uma cotação. Então, até 30 de novembro, eles devolvem para a Petrobras, e a ideia é ela efetivamente iniciar na obra do primeiro semestre do ano que vem”, completou.
MERCADO
No mercado financeiro, os anúncios de novos investimentos da Petrobras no setor de fertilizantes, embora politicamente positivos, geraram reação negativa. Logo após as declarações de Magda Chambriard e do presidente Lula sobre a retomada das Fafens e da Ansa, as ações da Petrobras caíram.
Segundo informações do portal InfoMoney, os papéis preferenciais (PETR4) recuaram mais de 2% no pregão do dia, gerando preocupações de investidores com a rentabilidade dos projetos e o aumento do risco político sobre a estatal. Analistas avaliam que o retorno ao setor de fertilizantes, abandonado desde 2018, representa uma guinada estratégica que pode comprometer o foco da companhia em exploração e refino, áreas de maior margem de lucro.
Além disso, há temor de que a Petrobras volte a atuar sob forte influência política, priorizando investimentos de baixo retorno financeiro, mas de alto impacto simbólico.
“O mercado teme que o discurso de desenvolvimento nacional volte a se sobrepor à disciplina econômica”, avaliou um relatório de análise publicado por corretoras após o anúncio.
Fonte: correiodoestado.com.br
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