Em entrevista ao podcast do Ministério Público, vinculada na manhã desta quarta-feira (3), o comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) em Mato Grosso do Sul, Major PM Rafael Custódio Alves, revelou preocupação com a interiorização de conflitos típicos de regiões dominadas pelo tráfico para dentro de Campo Grande.
Alves destacou o fato de líderes de facções criminosas se estabelecerem em Campo Grande como uma das características que alteraram o comportamento de faccionados, que migraram para a Capital.
“Eu percebo é que crimes que antes ocorriam em locais de disputa, áreas de fronteira, hoje ocorrem em Campo Grande. A guerra pra tomar o poder gera homicídios, quando alguém assume, dá aquela tranquilizada", destacou o oficial qu caracterizou o estado como uma importante rota para o tráfico internacional de drogas.
Segundo ele, atentados contra servidores públicos não são vantajosos para os criminosos, porque resultam em operações intensas das forças de segurança. “É interessante pro criminoso, seja faccionado ou não, atentar contra a vida de algum servidor público? Não, porque você vai montar uma operação e vai procurar esse criminoso até esgotar os seus recursos, e isso pode gerar prejuízo para esse grupo criminoso.”
O comandante ainda alertou para a presença de criminosos ligados a facções em bairros da capital. “Hoje a gente já vê muitas pessoas, figuras, que a gente acompanha ou tenta acompanhar ali, envolvido em alguma parte, em alguma fração do crime organizado, morando em Campo Grande. E aí o cara vem para executar por poder. Nessas ocorrências a gente tenta dar a maior atenção possível, justamente para não perder o controle”, frisou.
Facções em MS
Mato Grosso do Sul tem, atualmente, 10 facções criminosas em atuação, sendo o terceiro no ranking de estado com maior número de grupos criminosos em atividade. Levantamento feito pelo jornal O Globo em agosto deste ano apontou que o Brasil tem hoje 64 facções espalhadas pelas 27 unidades da federação, com menor ou maior tamanho e influência sobre a sociedade.
Os dados foram coletados junto a fontes das secretarias de Segurança Pública, Administração Penitenciária e Ministérios Públicos de todos os estados.
Conforme o levantamento, em número de facções, Mato Grosso do Sul está atrás apenas da Bahia e Pernambuco, com 17 e 12 facções, respectivamente.
Das dez facções em atuação em MS, apenas uma é de origem sul-mato-grossense, sendo a Okaida, enquanto as demais são ramificações e núcleos de grupos que têm como origem outros estados.
Enquanto os dois do Nordeste têm um cenário fragmentado, com muitas facções locais disputando espaço, o território sul-mato-grossense é o maior “importador” de facções de outros estados. Conforme O Globo, a rota do narcotráfico que passa pela fronteira com o Paraguai e a Bolívia estimulou nove das 12 facções interestaduais a criarem núcleos de atuação em Mato Grosso do Sul.
As facções criminosas em atuação em Mato Grosso do Sul são: Okaida Primeiro Comando da Capital (PCC) Comando Vermelho (CV) Amigos do Estado (ADE) Bonde do Maluco (BDM) Terceiro Comando Puro (TCP) Primeiro Grupo Catarinense (PGC) Bala na Cara (BNC) Os Manos Cartel do Sul (CDS)
A Okaida aparece na lista como facção local, enquanto as demais são "importadas", sendo o PCC com sede em São Paulo e presença em 25 estados; CV do Rio de Janeiro e presença em 25 estados; ADE de Goiás com núcleos em MS e TO; BNC com sede no RS e núcleo em MS e SC; PGC de Santa Catarina e núcleo em MS e PR; TCP do Rio com núcleos em MS, ES, MG e SP; CDS do Paraná e núcleo em MS e Os Manos, do Rio Grande do Sul com núcleos em MS e SC.
Operação Carbono Oculto
A Receita Federal e órgãos parceiros deflagraram, nesta quinta-feira, 28 de agosto, a “Operação Carbono Oculto”. Trata-se da maior operação contra o crime organizado da história do País em termos de cooperação institucional e amplitude.
Foram cumpridos mandados de busca e apreensão em cerca de 350 alvos - pessoas físicas e jurídicas - localizados em oito estados: São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também ingressou com ações judiciais cíveis de bloqueio de mais de R$ 1 bilhão em bens dos envolvidos, incluindo imóveis e veículos, para a garantia do crédito tributário.
As investigações apontam que o sofisticado esquema engendrado pela organização criminosa, ao mesmo tempo que lavava o dinheiro proveniente do crime, obtinha elevados lucros na cadeia produtiva de combustíveis.
O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos de origem criminosa. A sonegação fiscal e a adulteração de produtos aumentavam os lucros e prejudicavam os consumidores e a sociedade.
As dívidas, de centenas de milhões de reais, e o possível esquema foram denunciados pelo Correio do Estado em dezembro de 2024. A Copape, formuladora de combustíveis que passou a ser investigada após concorrer com gigantes do setor, como Vibra (Postos Petrobras) e Ultrapar (Ipiranga), por exemplo, tem sede em Campo Grande e deve nada menos que R$ 563,5 milhões ao fisco federal, conforme dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
A PGFN integra a Operação Carbono Oculto ao lado da Polícia Federal, Receita Federal e Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Estado de São Paulo.
Em Mato Grosso do Sul, os mandados de busca e apreensão da operação foram cumpridos nas cidades de Iguatemi (7 alvos) e Dourados (1 alvo).
Conforme a Receita Federal, os oito alvos no Estado são empresas do núcleo operacional da cadeia de combustíveis envolvidas no esquema.
Só em Mato Grosso do Sul, a Copape, formuladora de combustíveis ligada à Aster, sonegou quase metade dos tributos federais.
O inquérito aponta que o principal cliente do BK Bank no período investigado foi a distribuidora de combustíveis Aster. Dos R$ 17,7 bilhões em movimentações suspeitas, R$ 2,22 bilhões foram destinados à Aster.
Problema antigo
Antes mesmo de as facções criminosas Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) disputarem o domínio do tráfico de drogas na fronteira entre Capitán Bado, no Paraguai, e o município sul-mato-grossense de Coronel Sapucaia, a divisa era comandada por um clã familiar que contrabandeava produtos na região.
A família Morel, que era chefiada por João Morel, foi considerada dos anos 1990 até o início dos anos 2000 como o principal cartel de traficantes que comandava o narcotráfico no Paraguai.
Desde os anos 1960, as autoridades do país vizinho já suspeitavam que o clã criminoso de Capitán Bado, que possuía várias propriedades na cidade, tinha envolvimento na prática de contrabando de café e de ervas na fronteira.
Conforme informações do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Narcotráfico, realizada em 2000, a partir dos anos 1970, por meio de interceptações de carregamentos de cargas, a polícia identificou que João Morel começou a se envolver com o tráfico de drogas, tornando-se foragido a partir de 1993, quando foi decretada a prisão de João Morel pela Justiça de Sapucaia do Sul (RS), por envolvimento com o tráfico de drogas.
Neste período, João Morel e seus filhos Ramon Morel e Mauro Ezequiel Morel utilizavam as pistas de pouso para pequenas e médias aeronaves em suas fazendas para carregar cocaína que chegava da Bolívia e da Colômbia com destino para os mais diversos pontos do Brasil.
Desses locais onde atuava a família Morel também saía a maioria dos carregamentos de maconha para grandes traficantes e compradores de droga de vários estados, entre eles, o traficante carioca Fernandinho Beira-Mar, que de “sócio de confiança” do clã se tornou o principal inimigo da família paraguaia.
Conforme informações de edição de 2001 do Correio do Estado, o fim da parceria entre Beira-Mar e a família Morel na fronteira ocorreu após a prisão de Jaime Amato, um amigo de confiança de Beira-Mar, que teria sido preso por conta de informações repassadas sobre seu paradeiro pelos irmãos Morel.
Em represália à prisão do amigo, Fernandinho Beira-Mar encomendou o assassinato de Ramon Morel e Mauro Ezequiel Morel, filhos de João Morel, que foram fuzilados por quatro homens em um sítio na cidade de Capitán Bado, no dia 13 de janeiro de 2001.
Na semana seguinte às execuções, no dia 21 de janeiro, João Morel também foi assassinado dentro do Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande por um companheiro de cela.
Além das motivações mencionadas, suspeita-se que as execuções encomendadas por Beira-Mar também envolviam uma disputa pelo controle total do tráfico de drogas na região, que, na época, era o principal ponto.
Fonte: correiodoestado.com.br
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